TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA
Leituras
Êxodo 20,1-17; Salmo 18; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25
Gostaria de convidar vocês a centrar atenção no texto do Evangelho proposto para este terceiro domingo do tempo da quaresma.
Para entender o sentido do texto do Evangelho deste domingo é preciso levar em conta a densidade do clima de expectativa religiosa que se vivenciava em Israel no tempo de Jesus. O panorama religioso judeu não era uniforme. Havia distintos grupos e cada um deles com suas especificidades teológicas e ideológicas, num mundo em que religião e política eram inseparáveis. Todos os grupos religiosos judeus esperavam a irrupção do Reino de Deus e, a vinda do Messias, que devia inaugurá-lo.
Para os Zelotas havia chegado – assim pensavam eles – a hora de tomar as armas e se desfazer da dominação romana, para assim instaurar o Reino de Deus. Eles não aceitavam que o povo, o Templo e o culto estivessem sujeitos ao Império.
Os Saduceus simpatizavam com o Império ou – pelo menos – queriam se congraçar com ele. Para eles bastava manter a contento o império na medida em que o mesmo não afetasse demais os seus interesses de classe. Por isso, eram vistos pelo povo com desconfiança e ódio.
Os Essênios haviam optado por abandonar a cidade (que consideravam “corrupta”) para se estabelecer no deserto (perto do Mar Morto) no território conhecido como Qumram. Haviam denunciado certa corrupção que tinha se instalado no Templo e no sistema religioso da época. Eles esperavam – entre purificações, oração e estudo da lei – o momento oportuno (kairós).
Os Fariseus consideravam, igualmente, que a dominação romana era um peso insuportável e que deviam recuperar a autonomia do Templo. Porém, eles não entraram em nenhum movimento violento ao estilo dos Zelotas, mas dedicaram-se ao estudo e observância estrita da lei, que nessa época, tinha se transformado num sistema de normas bastante complexo e difícil, impedindo assim que as pessoas pudessem viver uma experiência libertadora do religioso. Além do mais, por causa da mentalidade legalista deste grupo religioso, muitos se sentiam excluídos da possibilidade de participação na vida religiosa oficial (não tinham direito a salvação). Alguns destes fariseus tinham caído numa atitude arrogante e orgulhosa, que Jesus criticará duramente.
Jesus e a sua comunidade de discípulos se distanciam destes grupos e destas propostas religiosas. Sem dúvida, Jesus denuncia a manipulação a que está submetida a religião, a exclusão de alguns setores da população, especialmente a exclusão dos pobres e dos pecadores.
Tendo em conta este clima de expectativa religiosa devemos dar mais um passo. Para o autor do quarto Evangelho é muito importante relacionar Jesus, o seu itinerário e sua comunidade de discípulos com o calendário religioso judaico. O objetivo desta relação é afirmar que Jesus é o novo Messias e aquele em quem se realizam as antigas promessas contidas nos textos do AT. Neste paralelo entre Jesus e o calendário religioso judaico quer se afirmar que Jesus traz uma nova maneira de compreender a experiência religiosa, pois com Ele a antiga lei é superada e realidades como o Templo, o culto, o sacrifício devem ser repensados, pois assim como estão já não tem legitimidade. O evangelista quer afirmar que em Jesus e com Jesus, Deus Pai realiza uma nova e definitiva aliança. Portanto, o ponto de referência já não é mais o antigo sistema religioso, mas a pessoa de Jesus, pois Dele se desprende uma nova maneira de se relacionar com Deus, um novo culto (por isso dirá à samaritana que os verdadeiros adoradores adorarão em espírito e em verdade) é uma aliança que supera as expectativas que até esse momento o povo tinha almejado. Assim, o sistema religioso tradicional é contrastado e entra em crise. Aparece um novo tempo: o tempo (kairós) inaugurado por Jesus.
O relato deste domingo apresenta então uma comunidade nova (a comunidade dos seguidores de Jesus) que se distancia progressivamente do Judaísmo e que quer afirmar sua própria identidade. Vamos ver na continuação alguns aspectos chaves do texto:
1. Trata-se de purificar o Templo e de reconfigurar a noção que se tem dele. A atitude de Jesus é uma verdadeira revelação: Jesus se apresenta com a autoridade do Messias, capaz não só de interpretar autenticamente a tradição religiosa, mas de julgar e até declarar abolidas algumas ideias e práticas consideradas intocáveis e imutáveis. Lembremos que o Templo de Jerusalém era para o povo a instituição fundamental, o centro da vida do país e o símbolo da glória e do poder da nação.
2. Ao fazer este “ato de purificação” Jesus se afirma como o Messias que traz o Reino de Deus (o projeto de Deus) ao povo. O evangelista quer deixar claro que com Jesus se inaugura uma nova etapa na História da Salvação.
3. Ao expulsar os comerciantes (negociantes) Jesus está rejeitando radicalmente a prática de transformar o religioso num negócio. Com esta ação simbólica de alto calibre Jesus declara a invalidade do culto dos potentados que tinham se apoderado do Templo e, portanto, do sistema religioso. Um culto (uma religião) que se torna instrumento de exploração do povo, especialmente dos pobres é inaceitável. Com sua ação Jesus não está promovendo uma simples reforma deste sistema senão a sua abolição.
4. Liberando as ovelhas Jesus liberta o povo. Lembremos que a ação de Jesus é de profunda dimensão simbólica. Nos escritos do Antigo Testamento o povo era comparado com um rebanho de ovelhas conduzido por Deus (seu autêntico Pastor). Deus tinha confiado estas ovelhas aos dirigentes (religiosos e políticos) para que cuidassem delas. Porém, eles tinham traído esta missão e estavam se aproveitando do rebanho. Isto foi denunciado muitas vezes pelos profetas (entre eles Ezequiel). No sistema comercial do Templo, as ovelhas eram os animais destinados ao sacrifício: estavam no Templo, mas não para serem cuidadas senão para serem sacrificadas, assassinadas. Ao liberá-las Jesus está simbolizando a libertação do povo. Os pastores colocados a serviço das ovelhas não eram dignos desta missão. Por isso, Jesus em pessoa retoma o seu posto, como PASTOR. Isto é o que encontramos no capítulo 10 do Evangelho segundo João. Ele é o verdadeiro Pastor que dá a vida pelas ovelhas... O pastor ladrão não pensa nelas senão nos seus interesses e quando percebe o perigo abandona-as... Não é capaz de se expor por elas para salvá-las.
5. Os cambistas (negociantes) representam o sistema financeiro. Todos os homens maiores de 21 anos deviam pagar tributo anual ao Templo e muitos donativos iam para o Templo. Para pagar o tributo não se podia fazer com moeda do Império. O Templo cunhava sua própria moeda. Óbvio, que os cambistas cobravam sua comissão. Ao derrubar as mesas e jogar pelo chão as moedas, Jesus desautoriza o sistema dos tributos religiosos. O Templo deve ser um lugar de encontro com o amor de Deus e não um lugar de exploração.
6. A ação contra os vendedores de pombas é igualmente significativa. As pombas eram os animais de menor valor econômico para o sacrifício. Simbolizam os pobres que não tem com que comprar a salvação (segundo o esquema comercial religioso que estava organizado no Templo). Os pobres foram sempre a maior preocupação de Jesus. A religião deve cuidar do pobre em lugar de maltratá-lo. Isto é o que Jesus quer afirmar.
7. O Templo tem perdido seu sentido, o culto tem se pervertido, a relação com Deus tem se desfigurado. É preciso resgatar estas realidades. Ao chamar o Templo “Casa do meu Pai” Jesus dá a ele uma identidade familiar: O Pai não cobra dos filhos seu amor... Deus não faz negócio com a salvação... Deus é gratuidade (graça). O Templo deve ser lugar para a experiência do amor, do encontro, da gratuidade, da salvação, da fraternidade.
8. O Templo material seguirá sendo importante como lugar de encontro, de oração, de celebração da fé... Mas esse Templo material (todos os Templos) só terão sentido se primeiro cada pessoa se reconhece como templo vivo onde Deus mora e reconhecem também os outros como templos que merecem respeito. São Paulo o entendeu perfeitamente por isso escreveu: “Vocês são templos do Espírito Santo”.
Boa semana!
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