PRIMEIRO DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA – 26 DE FEVEREIRO DE 2012.
I. O TEMPO LITÚRGICO QUE COMEÇAMOS.
Lembremos que o tempo da Quaresma vai desde a Quarta-feira de Cinzas até a Eucaristia da Ceia do Senhor exclusive. Este tempo não deve ser vivenciado pelo cristão (pela comunidade) como um tempo que desabrocha na morte (isso seria chegar só até a Sexta Feira Santa), mas que desemboca na Vida Plena, na Ressurreição. Deve ser concebido, então, como um tempo de preparação para celebrarmos a Ressurreição de Jesus e, n’Ele, a nossa ressurreição. Neste tempo, somos convidados a incrementar nossa oração e a escutar e meditar – num clima de fé – a Palavra de Deus, que tem poder para iluminar nossa vida. É um tempo que nos conduz pelo caminho da conversão, por isso meditemos sobre nossa experiência pessoal do pecado e sobre o pecado social e ecológico no qual se encontra envolvida a humanidade toda. A Quaresma apresenta-nos um processo espiritual, impulsionado pela temática de cada um dos cinco domingos. É importante estar atentos a este processo, que começa com a experiência da tentação e termina com uma grande esperança na vida nova.
Na realidade, a Quaresma não é simplesmente um tempo litúrgico, mas, a vida dos cristãos, a vida cristã sintetizada em grandes eixos: a luta entre o bem e o mal; a fragilidade humana fortalecida pela graça;a aliança que Deus quer fazer e viver conosco; a luta contra a tentação; a necessidade de ter um projeto de vida (O Reino de Deus); o tempo, que nos é dado por Deus para realizar uma tarefa; o acompanhamento que Deus faz da história humana; a salvação de Deus e a Vida Plena. Tudo isto constitui a vida cristã.
II. AS LEITURAS PROPOSTAS PARA ESTE DOMINGO
Gênesis 9, 8-15
01. Esta leitura centra-nos no mistério da Aliança. Deus faz aliança com Noé, mas esta aliança não se esgota na sua pessoa, mas atinge a humanidade toda e a criação (simbolizada nos animais). Isto quer dizer que o relacionamento com Deus é uma experiência inclusive de salvação. O Salmo de resposta que propõe a liturgia da Palavra faz eco a esta experiência de aliança. Para os cristãos a aliança com Deus foi selada no Batismo. O Batismo é a aliança que compromete a vida toda em todas as dimensões da vida. Assim, ser cristão não é uma questão de horas ou de dias, mas um estilo de vida, uma maneira de viver, de sentir, de pensar, de se relacionar, de estar no mundo.
02. No texto, Deus quer deixar bem claro que seu propósito não é destruir a vida senão resgatá-la. Se, na história, o Projeto de Deus aparece desfigurado é por causa da humanidade, das opções, ações e omissões do ser humano.
03. A arca aparece neste texto como o símbolo (instrumento) de salvação proposto por Deus para resgatar a vida. Porém, note-se que este instrumento reclama o concurso (a participação) da humanidade (simbolizada na pessoa de Noé, que deve construí-la). Deus quer salvar a humanidade, mas o ser humano deve fazer a sua parte. No contexto do dilúvio a arca aparece como o espaço acolhedor e protetor da vida. A proteção da vida aparece como uma das tarefas fundamentais para cada pessoa, para todo crente. É preciso entrar numa lógica de cuidado da vida.
Salmo 24:
01. O Salmo nos lembra que Deus tem seus caminhos e que estes caminhos constituem uma proposta de vida para a humanidade. No conjunto da Bíblia descobrimos os grandes dinamismos existenciais que alimentam os caminhos de Deus: a misericórdia, a justiça, a verdade, a ternura, a compaixão, a fidelidade, a humildade, a solidariedade. De fato, alguns destes dinamismos aparecem neste Salmo 24. O que se quer é que cada cristão (cristã) assuma estes dinamismos e os transforme em valores que orientam sua vida.
02. Estes caminhos ficam sintetizados no Novo Testamento, numa pessoa: Jesus de Nazaré. Ele é para a comunidade cristã, o Caminho proposto por Deus, o Caminho que conduz a comunhão e ao encontro pleno com Deus.
03. Se a pessoa aceita Deus como seu referencial fundamental, então se compromete com seus caminhos, com SEU CAMINHO. Por isso, os Evangelhos estão confeccionados desde a lógica do seguimento de Jesus: Senhor, eu te seguirei onde você quiser.
1ª Pedro 3, 18-22
01. Nesta carta, o autor quer levar os cristãos (do seu tempo e do nosso) a meditar sobre a realidade do pecado e sobre a ação de Cristo, que libera do pecado e abre a possibilidade de abraçar um novo modo de viver.
02. É interessante notar que o texto desta carta explicita as duas dimensões constitutivas do ser de Cristo: sua humanidade e sua divindade.
03. Na leitura encontramos claramente definido um paralelo entre:
· Noé e Cristo.
· A Arca e o Batismo.
· As águas que destroem e as águas que purificam e salvam.
· O tema da VIDA aparece novamente. É o tema fundamental: os que entraram na arca salvaram a vida; aqueles que seguem os caminhos de Deus também entram na salvação de Deus. Jesus mesmo passa da morte à Vida Plena, porque Ele não só segue os caminhos de Deus, mas porque Ele mesmo é o CAMINHO. O Batismo deve ser entendido pelos cristãos como presente de Deus (Ele é que faz a aliança conosco) e como tarefa (essa aliança e a vida que ela aporta deve ser cuidada, cultivada pelo (a) discípulo (a) de Jesus).
04. Igualmente, o texto faz referência a paciência de Deus. Esta paciência está ligada ao seu amor, a sua misericórdia, a sua vontade de salvar. Como é a nossa paciência? Vale a pena perguntar também se há em nós uma real vontade de trilhar os caminhos de Deus, de acolher sua salvação, de nos comprometermos com Ele, de participar na Obra da Salvação.
05. O Batismo é apresentado claramente como uma experiência de salvação. Não deve ser reduzido a um simples rito. O Batismo torna-se experiência de salvação porque Deus age e porque a pessoa se compromete totalmente com Deus e com seu projeto.
06. Finalmente, o texto sublinha que – desde a perspectiva cristã – a chave está na pessoa de Jesus Cristo e no relacionamento que o discípulo vive com Ele.
Marcos 1, 12-15:
01. Atenção à ação do Espírito Santo: Neste texto Jesus é levado ao deserto pelo Espírito. Voltemos para o Livro do Êxodo. O deserto é o lugar(geográfico e teológico) onde o antigo povo de Israel aprendeu a ser dócil a voz de Deus. Ali aprendeu a assumir sua liberdade, a se conhecer, a se confrontar com a tentação e com o mal. Jesus aparece – no Evangelho – ligado a este acontecimento chave da história do Antigo Testamento. O que o evangelista quer afirmar é que Jesus é o novo libertador, aquele em que Deus realiza uma ação libertadora sem precedentes. Nem a Moisés pode- se lhe comparar. Afirmar que o Espírito levou Jesus ao deserto não significa que é o Espírito que provoca a tentação, mas que o Espírito conduz Jesus pelo caminho do confronto com o mal, pois a luta contra o mal é o Projeto de Deus. O ser humano na história, não pode fechar seus olhos a presença e ação do mal. Deve saber reconhecê-lo e se preparar para lutar contra ele. Não pode ser escravo do mal senão instrumento do bem. O deserto não é somente lugar de tentação, mas também lugar de aprendizagem no confronto com o mal.
02. O deserto na Bíblia também é uma realidade muito significativa.Nele se aprende uma espécie de pedagogia da vida: transitar com cuidado, ser solidário, viver com o necessário, estar a escuta, permanecer atento aos perigos,usar racionalmente os recursos, não perder o rumo. Também é um lugar de tentação (a sede pode afetar os sentidos e fazer ver visões). Na vida passamos também por desertos, mas não podemos fugir deles, porém, atravessá-los com cuidado.
03. O evangelista conecta Jesus com a Galileia. Porém não é simplesmente uma indicação geográfica. Galileia é o território onde Jesus desenvolveu sua missão; ali Ele optou pela vontade de Deus Pai e pela salvação da humanidade. Ali Ele gastou suas forças fazendo o bem. Galileia é o símbolo da missão e do compromisso sério. Por isso, nos relatos da Ressurreição, Jesus envia aos seus discípulos a mensagem de procurá-lo e encontrá-lo na Galileia. É na experiência da missão onde melhor podemos encontrar Jesus.
04. O evangelista Marcos não duvida em ligar esta experiência do deserto e da tentação ao número 40. O símbolo deste número tem a ver com o processo de um novo nascimento. Simbolicamente foram necessários 40 dias para que o grupo libertado por Deus e conduzido por Moisés pudesse atravessar o deserto e chegar, mudado, as portas da Terra Prometida. Do Egito saiu um grupo de escravos, mas, às portas da Terra Prometida chegou um povo constituído por pessoas libertadas, purificadas; um povo mais organizado e com desejo de servir totalmente a Deus. Aqui o número 40 tem a ver com todo este processo de criação de um Novo Povo; com uma proposta de libertação integral e plena. Deus enviou seu Filho para reconstruir a humanidade esmagada pelo pecado... Essa humanidade que (segundo o relato do Gênesis) perdeu o paraíso, por causa do pecado. Através do relato, o evangelista nos convida a crer que Deus (com seu amor) é mais forte do que o mal e que o ser humano apoiado em Deus pode vencer qualquer tentação. Para todos os cristãos deve ficar claro que a fé não é dada para que as tentações não existam, mas para enfrentá-las e superá-las.
05. Em definitivo o evangelista nos convida a um encontro profundo com Jesus. Nesse encontro podemos aprender o fundamental: a vida não tem sentido se ela não está ligada a um projeto valioso. Jesus – com sua vida – nos diz que esse projeto é o Reino de Deus. Por Deus vale a pena comprometer a vida e gastá-la. Esta é – na realidade – a proposta da Quaresma. Isto é o que devemos perceber no tempo. Por isso, devemos meditar com cuidado as Palavras de Jesus: O prazo está cumprido... acreditem e convertam-se.
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