O Domingo de Cristo Rei marca o encerramento do ano litúrgico, durante o qual fazemos a memória do caminhar de Deus com os homens e somos convidados a nos situarmos dentro dessa história; no sentido religioso e teológico, trata-se da “história da salvação”, na qual Deus manifesta seu desígnio de amor para com suas criaturas e as convida a aderirem livremente ao seu dom misericordioso.
A Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo – assim é denominada na Liturgia -, nos faz pensar no significado da existência deste mundo, da vida humana e do nosso peregrinar pela história. Mais que especular sobre o significado político do título de rei, dado a Cristo, os textos da liturgia, belíssimos e ricos de significado, apontam para o desígnio de Deus sobre o presente e o futuro da humanidade e deste mundo.
Através do seu ato criador, Deus revela sua glória em cada criatura e chama os seres humanos a participarem livremente da vida no seu “reino”; ainda mais, no Mistério da Encarnação do Filho eterno em nossa condição de criaturas, Deus manifesta de maneira clara sua proximidade em relação ao mundo e aos homens. Jesus anuncia o reino de Deus “chegando” e “já presente” no mundo, como sendo a grande e boa notícia que deve ser acolhida com alegria; e convida todos a aderirem ao reino de Deus e a entrarem nele, desde agora.
Toda a vida de Jesus, assim como sua pregação e sua atividade, foi um testemunho de que, com Ele, o reino de Deus de fato já estava presente entre os homens: os males eram superados, os demônios, vencidos, os pobres, os doentes, os pecadores e todos os privados de sua dignidade eram “salvos”, a vida e a dignidade eram restituídas e todos estavam sendo chamados ao encontro com Deus.
Ao mesmo tempo, Jesus também convidou à conversão; o reino de Deus requer vida nova e a superação das maneiras de ser, de pensar e de se comportar que não coadunam com o modo de vida e com a lei do reino de Deus; o reino da morte precisa dar lugar ao reino da vida. E cada pessoa é convidada a colaborar livremente e com a ação constante para adequar o “reino dos homens” ao reino de Deus.
O reinado de Deus não é algo de estranho que se impõe ao homem e ao mundo, mas vem ao encontro das buscas e aspirações humanas mais profundas e do anseio silencioso de toda a ordem criada. O reino de Deus, já presente no desígnio do Criador, representa o supremo bem das criaturas, que encontram seu verdadeiro sentido somente no horizonte do desígnio de Deus.
A compreensão cristã do mundo exclui a existência de dois reinos: um, de Deus e outro, fora de Deus. Se existem situações de “não-reino” de Deus, é por causa do pecado, que introduz a desordem no mundo e na vida dos homens e uma lógica que leva o ser humano e o mundo ao erro, à frustração da existência e, finalmente, à sua destruição. A linguagem teológica e religiosa denomina essa desordem resultante do pecado como reino das trevas, da ignorância, da escravidão e da morte.
Essas situações representam, justamente, o âmbito da missão humana e da sua livre colaboração com Deus, conforme o belo pensamento da Liturgia de Cristo Rei: “Ó Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, Rei do universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente” (Oração do Dia). A salvação oferecida por Deus representa a possibilidade para que cada criatura viva de maneira livre e desimpedida no reino de Deus.
O título de “Cristo Rei” dado a Jesus fala, portanto, do desígnio de Deus criador e salvador para a existência humana: um plano amoroso, que dá sentido ao nosso existir. E todos os cidadãos do reino de Deus, beneficiados pela salvação, são chamados a serem discípulos e missionários de Cristo Rei, para que todos possam acolher a Boa Notícia e transformar suas vidas e as estruturas da convivência humana de acordo com a proposta do reino de Deus.
Os primeiros cristãos dirigiam a Cristo glorificado uma belíssima invocação: “Maranatá!” (vem, Senhor!)! Na celebração de cada Missa, após a Consagração, também nós fazemos a mesma invocação, na ansiosa e alegre esperança da participação plena no reino de Deus.
Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo (SP)/ 22/11/2007
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